No ano do nosso casamento decidimos ir a Penafiel comprar os nossos móveis da sala. Foi o ano em que o Ikea veio para Portugal (sim, sou assim tão antiga!), ainda não era muito conhecido apesar de muitos amigos já irem a Madrid fazer compras para as suas casa, mas naquela altura, entre ir ao IKEA ou mandar fazer os móveis ao meu gosto e com as medidas certas para a minha sala, pareceu-me a segunda hipótese bem melhor. Hoje, adoro o IKEA e sou cliente assídua, mas não mudava (nunca mudei) os móveis da minha sala por nada.
Esse fim de semana de 2004 tornou-se absolutamente memorável e muito especial, porque estivemos sempre acompanhados por uns amigos dos meus pais extraordinários que não só nos levaram à melhor fábrica de móveis de Penafiel, como ainda nos acompanharam em restaurantes e passeios maravilhosos por aquela região. Foi um fim de semana em família com outra família que eu só conhecia de nome e dos meus pais tanto falarem, mas que ficou para sempre na minha memória.
Num almoço, com os pais desses amigos, que já tinham uma idade de respeito mas eram das pessoas mais divertidas que podem imaginar, surgiu-nos à vista um cão muito magrinho. O senhor, olhou para mim e disse-me que aquele era o “come se o há”, que dito muito depressa soava a “comeseoá” e depressa se prontificou a chamar o cão para dar comida.
Nunca mais esquecemos a expressão “come se o há” e sempre que vemos um cão faminto na rua, lembramo-nos daquele episódio e lamentamos que nem todos os cães possam ter uma família.
Este Natal, enquanto a Ginja dormia no sofá e os miúdos lhe davam beijos repenicados, sem ela estar minimamente à espera, o meu pai exclamou “este é um cão com sorte”. E é, porque cá em casa é precisamente um elemento da família, viaja connosco sempre que possível e passa o mínimo de tempo sozinha. Chamo-lhe muitas vezes de filha de pelo, gostamos verdadeiramente da companhia dela e somos mais felizes porque ela está na nossa casa e na nossa vida. Nunca tinha tido um cão e nunca pensei que se pudesse gostar tanto de um animal de estimação.
Ser um “cão com sorte” é ter companhia, é ter mimo, festinhas a qualquer hora. Comida boa e uma manta quente. É ir passear à rua sem medo e voltar à “sua” casa satisfeita. É sentir que há quem a proteja e quem esteja sempre à sua espera.
Não podemos acolher todos os cães em nossa casa e nem todos aqueles que gostavam de ter cão podem ter. Dá trabalho, exige tempo, é uma responsabilidade grande. Sempre que equacionamos as nossas férias, a parcela “Ginja” condiciona a valer. Mas que eles nos dão muito mais do que nós lhes damos a eles, é bem verdade. Não exigem nada, quase não esperam nada. Ficam loucos de felicidade cada vez que entramos em casa e muitas vezes parece que nos lêem os pensamentos.
A adaptação de ter um cão em casa pode ser difícil, como tudo na vida. Exige dedicação e ginástica de pensamento, mas é quase sempre possível. E se não fosse difícil também não seria impactante nem revolucionário como é, certo? E eu não tenho dúvidas: quem tem cão nunca está sozinho e numa altura em que tanto se fala de solidão, é bom pensar nisso. Porque não transformar um “come se o há” num “cão com sorte”?