sábado, 15 de janeiro de 2022

Ginja, um cão com sorte



No ano do nosso casamento decidimos ir a Penafiel comprar os nossos móveis da sala. Foi o ano em que o Ikea veio para Portugal (sim, sou assim tão antiga!), ainda não era muito conhecido apesar de muitos amigos já irem a Madrid fazer compras para as suas casa, mas naquela altura, entre ir ao IKEA ou mandar fazer os móveis ao meu gosto e com as medidas certas para a minha sala, pareceu-me a segunda hipótese bem melhor. Hoje, adoro o IKEA e sou cliente assídua, mas não mudava (nunca mudei) os móveis da minha sala por nada.

Esse fim de semana de 2004 tornou-se absolutamente memorável e muito especial, porque estivemos sempre acompanhados por uns amigos dos meus pais extraordinários que não só nos levaram à melhor fábrica de móveis de Penafiel, como ainda nos acompanharam em restaurantes e passeios maravilhosos por aquela região. Foi um fim de semana em família com outra família que eu só conhecia de nome e dos meus pais tanto falarem, mas que ficou para sempre na minha memória.

Num almoço, com os pais desses amigos, que já tinham uma idade de respeito mas eram das pessoas mais divertidas que podem imaginar, surgiu-nos à vista um cão muito magrinho. O senhor, olhou para mim e disse-me que aquele era o “come se o há”, que dito muito depressa soava a “comeseoá” e depressa se prontificou a chamar o cão para dar comida. 

Nunca mais esquecemos a expressão “come se o há” e sempre que vemos um cão faminto na rua, lembramo-nos daquele episódio e lamentamos que nem todos os cães possam ter uma família.

Este Natal, enquanto a Ginja dormia no sofá e os miúdos lhe davam beijos repenicados, sem ela estar minimamente à espera, o meu pai exclamou “este é um cão com sorte”. E é, porque cá em casa é precisamente um elemento da família, viaja connosco sempre que possível e passa o mínimo de tempo sozinha. Chamo-lhe muitas vezes de filha de pelo, gostamos verdadeiramente da companhia dela e somos mais felizes porque ela está na nossa casa e na nossa vida. Nunca tinha tido um cão e nunca pensei que se pudesse gostar tanto de um animal de estimação.

Ser um “cão com sorte” é ter companhia, é ter mimo, festinhas a qualquer hora. Comida boa e uma manta quente. É ir passear à rua sem medo e voltar à “sua” casa satisfeita. É sentir que há quem a proteja e quem esteja sempre à sua espera.

Não podemos acolher todos os cães em nossa casa e nem todos aqueles que gostavam de ter cão podem ter. Dá trabalho, exige tempo, é uma responsabilidade grande. Sempre que equacionamos as nossas férias, a parcela “Ginja” condiciona a valer.  Mas que eles nos dão muito mais do que nós lhes damos a eles, é bem verdade. Não exigem nada, quase não esperam nada. Ficam loucos de felicidade cada vez que entramos em casa e muitas vezes parece que nos lêem os pensamentos.

A adaptação de ter um cão em casa pode ser difícil, como tudo na vida. Exige dedicação e ginástica de pensamento, mas é quase sempre possível. E se não fosse difícil também não seria impactante nem revolucionário como é, certo? E eu não tenho dúvidas: quem tem cão nunca está sozinho e numa altura em que tanto se fala de solidão, é bom pensar nisso. Porque não transformar um “come se o há” num “cão com sorte”?


domingo, 9 de janeiro de 2022

Menos prejuízo e mais juízo


 No outro dia estava a fazer a minha caminhada quando uma família em bloco passa por mim e a mãe exclama: “fico espantada com a quantidade de pessoas que anda na rua sem máscara”, virando-se para a filha, jovem adulta que levava a máscara na cara, mas com o nariz de fora.

Não ligo muito a prejuízos dos outros, ou talvez tente não ligar, porque confesso, fazem-me sempre pensar, tanto na minha conduta como na dos outros…

Aquele comentário feito para alguém que tem a máscara mal colocada é só ridículo, mas é ainda mais triste fazer um comentário alto de forma a ser audível pelos outros, sem saber a história de quem o ouve. Fazer um comentário só para gerar atrito e mal estar não leva a nada.

Aquela pessoa que partiu do princípio que ela estava certa e tantos outros errados, esqueceu-se de ponderar se quem não levava máscara, a tinha tirado pelo esforço físico. Se é alguém que passa o dia inteiro fechado num escritório / loja/ qualquer outro posto de trabalho sem poder tirar a máscara e aproveita o ar livre para o fazer. Se é alguém que esteve em isolamento nas últimas semanas por ter testado positivo e agora pode ter um bocadinho menos de medo e necessidade real de andar sem máscara ao ar livre.

Enfim, há tantas premissas que podem estar na base de cada comportamento que não vamos continuar aqui na lógica dos Ses.

O comentário em questão foi feito por alguém no dia 2 de Janeiro, altura em que supostamente temos bem frescos os nossos desejos para o ano novo que começa. Muitas vezes dizemos que queremos ser mais tolerantes, menos negativos, mais focados no lado bom das coisas… mas na primeira oportunidade revelamos que afinal nada em nós vai mudar nos próximos 365 dias. 

Creio que uma boa resolução de ano novo será a de fazer menos prejuízos dos outros. Deixar de nos considerarmos melhor que os outros. Ter menos preconceitos e ideias fixas. Precisa-se de mais empatia e compaixão de forma urgente. A pandemia não nos tornou melhores pessoas, muito pelo contrário. Quanto mais se arrasta, melhor vemos os efeitos perversos que ela tem.  Mas todos podemos trabalhar, fazer um esforço, para sermos mais inclusivos. Comecemos por tomar consciência disso, de como somos preconceituosos e tentemos mudar algo: uma vez por mês, uma vez por semana, todos os dias. Permitindo-nos ser cada dia um ser humano melhor. 


terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Tradições

Sou uma pessoa de tradições, de seguir rituais e de os viver em pleno, sem esforço, mas porque são assim e assim sabem-me bem. Um pouco como as rotinas. É maravilhoso sair da nossa zona de conforto, conhecer outros sítios, lugares, profissões e pessoas, mas é muito bom quando já começamos a seguir uma rotina. Já mudei radicalmente de profissão. Já mudei de concelho para viver, não sou pessoa de dizer não a um desafio, mas depois tenho que regressar a mim, à minha essência, mesmo que isso signifique encontrar a minha essência no novo caminho. É assim que vejo as tradições de Natal e Ano Novo. Não vale a pena inventar muito. Podemos criar as nossas, não temos que ficar agarradas às dos outros se nada nos acrescentam, mas é importante criarmos as nossas e respeitarmos. É importante ter e viver as tradições. 
Eu adoro o Natal e quem me conhece bem sabe o quanto vibro com os presentes comprados, mesmo que seja um par de cuecas. Aquela alegria de uma mesa farta, as pessoas do nosso coração à mesa, a ansiedade dos mais pequenos para os presentes… e dos maiores também! Em minha casa continuamos a abrir os presentes só depois da meia noite e agora já são os miúdos que dizem nem pensar em antecipar, nem que seja um minuto sequer. E eu emociono-me com isso, confesso. Significa que lhes passei algo. Que levam algo meu na bagagem das memórias. 
Alguns amigos, vendo a minha alegria nesta altura, justificam-se que nunca viveram muito o natal, ou porque o jantar todos os anos era diferente. Ou porque passavam sempre com pessoas diferentes. Ou porque não havia muitas prendas… quando os amigos tinham tudo o que queriam. Ou porque não recordam um natal como um momento especial. As vivências marcam-nos fundo. Mas há que saber criar as nossas rotinas e sobretudo não banalizar. 
Definir que na noite da consoada é aquela comida que só se repete uma ou duas vezes ao ano. Que os doces que se fazem nesta época são mesmo só para aqueles dias. Que há presentes debaixo da árvore para todos e não só para as crianças. Que há algo de mágico que só se repete uma vez ao ano. Eu adoro dar presentes às crianças, aos mais velhos, ao marido, aos amigos, fazer um bolo para os vizinhos, ter um mimo especial para quem gostamos e trabalha connosco. Porque o dinheiro não estica e eu adoro ver presentes e mais presentes debaixo da árvore, opto sempre por comprar coisas úteis e algum tempo antes, não deixando acumular com o orçamento de um único mês. Há sempre um presente especial para cada um, que é o Presente, aquele que mais pediram e que deixo para último, mas depois há muitas coisas embrulhadas que já teria que as comprar e oferecer, que fazem muito volume na árvore e deixam os olhos a brilhar na expectativa. Não há Natal que não ofereça meias, ou cuecas, ou pijamas. Ou os chocolates que eles mais gostam. Eles já sabem que não é tudo ouro e adoram isso também. Porque é sempre uma risada cada vez que um de nós desembrulha um par de meias e assim vai continuar a ser. 
O Natal somos nós que o fazemos, à nossa maneira, cuidando dos nossos e da nossa saúde mental. Não interessa se a dois, a quatro ou a vinte. Se preferimos ficar em casa ou pelo contrário estar a viajar, longe de tudo e todos. O que interessa é sermos felizes com as tradições que criamos, que nos dão base e sustento. Porque se nós não fizermos nada por nós, se deixarmos passar as tradições em branco, perdemos a âncora que nos mantém presos aos nossos e também a nós.