quarta-feira, 21 de julho de 2010

É por isto que gosto de ser jornalista

Em Fevereiro deste ano conheci a história de um pintor, artista plástico, com um curriculum invejável, com passagem por Londres e Paris, que em Portugal, por não haver mercado, foi obrigado a ter um outro trabalho, para suportar a paixão pela arte. É uma história de vida que me orgulho de contar (infelizmente só foi publicada hoje, 5 meses depois), mas que me faz pensar em quantos caixas de supermercados, por exemplo, que não haverá por aí, muito mais inteligentes do que a maioria dos consumidores que por eles passam para fazer o pagamento, e têm que ouvir bocas absolutamente disparatadas. Tudo pela lei da sobrevivência. E tudo, porque há quem teime em julgar os outros pela aparência. Felizmente há quem não se assuste com isso... Este texto que vos apresento foi publicado na edição desta semana do Jornal da Região da Amadora e de Oeiras. Quem quiser pode consultá-lo online em http://www.jornaldaregiao.pt/.

O outro lado de quem ama a arte
Para evitar a emigração, o pintor Telmo Vaz Pereira é há algum tempo recepcionista num edifício empresarial
Não, não é engano! Sim, é verdade... já viu esta cara em algum sítio. Telmo Vaz Pereira é controlador das entradas e saídas dos edifícios Arquiparque, parque empresarial em Miraflores, emprego que encontrou há alguns meses para fazer face às despesas, sem nunca deixar o seu verdadeiro trabalho: artista plástico. Natural de Luanda, Angola, Telmo é acima de tudo um cidadão do mundo. Já viveu em Londres e em Paris, por exemplo, e todos os anos viaja para os mais variados pontos do Globo. Na bagagem traz com ele sempre parte do território que pisa e não é só na mente. “Tenho uma ligação especial com a terra e trago sempre areia das viagens que vou fazendo”, conta-nos o pintor, ao mesmo tempo que nos deixa sentir a textura de uma das suas últimas obrasemque aplicou areia trazida de um destino longínquo. Com um currículo vasto, de onde sobressai o Curso livre de Pintura, Gravura e Litografia, no Sir George Wallace School of Fine Arts, em Londres, ou o estágio no Atelier Michel Vallois, em Paris, ou ainda a participação na colecção de arte pública do New Museum of African Contemporary Art, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, Telmo Vaz Pereira há muito que já não expõe os seus trabalhos em Portugal. “As exposições aqui só servem para embelezar as paredes das galerias, porque ninguém compra peças”, desabafa, revelando estar a preparar para Setembro uma exposição em Barcelona, cidade onde encontra “muitos coleccionadores de arte”. O próprio mercado angolano é muito mais forte que o actual em Portugal, mas a guerra de outrora obrigou-o a sair da sua terra natal. “Dei por mim a beber uma garrafa do‘whisky’ todas as noites para suportar o barulho dos tiros, até que percebi que assim estava a tornar-me alcoólico. Tive que sair de lá e vim para Portugal onde tenho um filho”, justifica. Para além da pintura, onde os tons quentes da terra estão sempre em especial evidência, TelmoVaz Pereira também se dedica à escultura, apesar de isso requerer um espaço muito maior para trabalhar, e à fotografia. Actualmente, o artista está num ateliê em Benfica, sempre que o trabalho emMiraflores o permite. “Quando procurei emprego pensei logonuma função assim do género para poder ter tempo para continuar comos meus trabalhos”, explica, referindo-se aos turnos onde enfrenta 12 horas seguidas, de modo a ter folgas a cada dois dias de trabalho. Enfatizando que “a lei da sobrevivência” é a ditadura dos novos horários que abraça, Telmo Vaz Pereira mostra-se tudo menos desgastado e encontra nestas “dificuldades” alento, e até inspiração, para empregar na sua arte.

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